terça-feira, 26 de maio de 2015

Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte GPEA: Maraiwatsédé e o Senador Cidinho

Grupo Pesquisador em Educação Ambiental, Comunicação e Arte GPEA: Maraiwatsédé e o Senador Cidinho

domingo, 10 de junho de 2012

ler ter ator há de corar são

Senhora, me diga...

estive pensando por horas
porque foi descer as escadas,
se tudo em mim selava as portas?
porque descer daquele jeito olhando
e calando na boca as palavras que iam sair?
na falta de respostas
fechei minhas mãos e bati em meu rosto
e, à falta de dor,
fiz o contrário:
abri meu coração em direção ao seu gosto

Li ter altura de cor ação

Intervalo

intentá-lo

inválido

inté(r)valho (atitu de meu coração)

inté orvalho (derramando no chão)

em temporal vamos sobrevivendo como sóbrias sombras breves vivem vendo hoje em dia

Entre vales

inventar-te

se ventar 

em mim (não se preocupe) eu não vou morrer tão cedo e nem vou correr de medo (porque)

gente da minha espécie

nasce, morre, cresce

sem entender direito

o jeito que o mundo tece as forças do viscejo

e eu vejo vida todos os dias do lado de dentro da janela do meu vilarejo

mas quando pass-ares por ela

olha demoradamente

porque a morada da gente

tem uma alegria daquelas de antigamente

como um sol de tarde e a meninada correndo e gritando e caindo e chorando / e o pessoal falando mal do alheio / do fulano que enricou e não veio / ver os velhos varrendo o passeio / e gostando muito de discutir o resultado de um jogo ou qualquer coisa boba que, hoje em dia... hoje em dia...ninguém dá mais ligança, mas a gente sabe que tudo era a mesma rua, a mesma turma comendo do mesmo prato e o "Paraná" passando quase caindo da cachaça que a mulher o deixou e ele só / queria ser melhor / mas não queria ficar só / e não sabia falar, só quando bebia e chorava e ia pra casa no fim da rua e o povo dizia: "Puxa, tá sofrendo de amor", mas hoje em dia... hoje em dia, não.


Líder atura descora tão

escrever-te (nem sei se você me lê)
e crer ver-te (mas você me evita enquanto meu coração verte uma lágrima aflita)
e se, ao vê-la, ele disparar (?)
será um pouco daquilo que so(u)a
se ar, louco e tranquilo vo(u)a
buscar um jeito de dar alívio a esse bicho
que mora dentro de mim
se(u)m dono se(u)m rumo se(u)m sono
seguindo só rindo sem nada saber
ou sabendo bem pouco
ou saberes bem loucos
ou errares por bem-quereres
(se eu pudesse saber a verdade...?)
o tempo inventa "a`s" vezes aquieta a batida discreta concreta de meu amigo (se ele é forte, esse bicho...
iludido
que exista
uma verdade
que exista
uma deidade
uma idade em sua pura vontade de querer ou a querência da volição queria caminhar de mãos dadas porque é tão difícil caminhar e dar as mãos?!?)
acho que tinha um pecado, um erro, um crime exigindo esse sacrífico, mas ele não aceita essa condição porque queria sangrar num dia de sol como uma alegria última para tudo que é vivo
feito um sentimento antigo
um sorriso de dentro no peito
se insinua lentamente-meio-desconfiado
se souberes o fundo
seus sabores do mundo
e tudo-nada pudesse sempre ter rido
ou se perdesse o sentido
sequer um rio
um rito
um sorriso bonito
ah, como eu te acredito!

Lideraduras-decoração

quiriaticutucá-quiriá...quiriatibatucá-quirida...querendo me deliciar com a vidaa diva a dívida e o mar queriadeitar a onda aonde minha vida ter-min'ar(porque prometi que não ia acabar agora:promessa é dívidapor mesa é devidapor essa vidavou me embrenhando entre cantos e brechas da suaquis mover a luase não vir-vier da cúpulaa culpa é toda cruaa luta é grandeo luto também)em nome do pai-da mãe-do filho que vem.Amem-Amém-Homem



Vídeo da Dança do Congo (resumo)


domingo, 20 de março de 2011

POEMAS VIII

Eu não sou pacífico
(mas apenas pra trocadilhar ou não)
por onde passo, fico
um pedaço de mim fica
minha boca (e sua língua) maldita
a-palavra-mal-dita-digo-não-dita
(dentro dos cânones)
pois há línguas que desconheço por sua linguagem
como linhas, links, linhares, linhagem com... começo(?)
Aqui já(z) seria um ótimo fim               (não fosse essa frase!)
terminar um poema com... começo (!) (fosse esse o caso!)
à moda da casa                                   (case essa crase!)
minhas asas não podem me levar         (face [a] essa crise!)
por isso passo fico                              (esfacelasse triste!)
e minto                                                     (cele esta cela!)
que não sou pacífico                                 (pele esfacela!)
oceanouuuuuu uou uou vuou                        (ele é belo!)
                             vou voou                         ela é dela
                                                                       la bella
                                                                       janela
                                                                         nela
                                                                      liberta
                                                            de todo e qualquer
                                                                    bem-me-queres
                                                                        mal-quereres
                                                viva o mundo(!) e todas as mulheres(!)
                                                todos os anjos
                                                se existissem esses seres
(e você também, Dionísio, que quis, mas não pôde estar presente).







POEMAS VII

Duvidei de mim e não acreditei que pudesse amanhecer um dia
um dia e outro com a noite no meio
NÃO!!!
Por que tão cedo Dionísio me assalta, invade meu(s) poema(s)?
Desta vez não!
Vou (irei) sério e triste e circunspecto e romântico e parnasiano (não, parnasiano não), reto e sóbrio e, naquele passo solene, como quem caminha para o fim sem acreditar que amanhecerá.
É que só a noite pode amanhecer!
O dia não amanhece, ele já está amanhecido 
e é por isso que quem quer saborear as coisas não gosta do dia, porque ele é amanhecido.
Já comeu pão amanhecido? Arroz amanhecido? Em cima do fogão, feijão amanhecido? Bife amanhecido na frigideira? Refrigerante amanhecido no fundo do copo?
Por isso o meio-dia é tão amanhecidamente insuportável, por ser o àpice do amanhecer (e é quando, de tanto amanhecer, o sol entra em declínio e inicia o desamanhecer pra chegar num fim de tarde BUNITO, enfeitado como só um fim de tarde ou o fim desta (daquela) folha, ah, Dionísio... você não me esquece, você sempre esteve aqui, como Rexona (não me abandona) e, de quebra, a indústria cultural a reboque.
Onde estão (os chatos) Horkheimer e Adorno quando se precisa deles?!?!??!!..................

Talvez remoendo seu mau humos em algum estado de não-ser.

POEMAS VI

Alguma dor chegando (alguma dúvida?)
Há muita flor no campo e a imbaúba

Em tantos céus e poços
porque o paraíso e o inferno não são nossos (?)
       Estranho é o pé batendo 
       enquanto tem gente cantando
       e alguma corrente correndo
          e alguma dor doendo
            num canto silente em destêrro
(não sei se escrevo certo  [mesmo(!)] ou se estive/estou enfêrmo!)
              Alguma voz no êrmo
           tem algo de paz
                algo de mais e de menos
                 como uma canção celeste
como o arreio a oeste      liberdade a leste
o jogo o fogo ao sul
(a rima) é Istambul         que fica algo a norte
é preciso ser forte (e) ter coragem de ser frágil
ser ágil pra saudar a vida no bom têrmo: a morte.


Eu mesmo te convido                 a viajar comigo
nesse jogo de palavras,              nave sem sentido
                                                 nada sem sentido
mas... e aquela prosa romântica a que me propunha (?)
Ficou na distãncia
naquela dor algum.

POEMAS V

Eu morro na curva do dia
e sonho à vontade, de dentro ninguém pode ver
sofro cada hora acorado num vaso
detento no jardim das materialidades
(e não era isso o que eu tinha a dizer,
o que agora me escapa
o escrito é a capa, é o véu, um negrume que esconde a luz,
mas nem isso é verdade
                     a metade
ou aquela vontade
a volição do começo
abolição, um trocadilho
              um torpedo
              um tropeço
              um ônibus sem amortecedores
              as ruas cheias de buracos
              o prefeito não está nem aí com os poetas passageiros
                                              (acho que é porque eles não ficam, apenas passam ligeiros)
              eu rio
                      Cuiabá me é desafio
                                      e pedágio)
Todo este poema é um defeito:
eu não queria a rima, ela veio;
não era pra ser o fim, mas acabou a linha (naquela folha barbiesca)
mas preciso... sei lá... morrer na curva do dia (?)

POEMAS IV

a sala era um deserto
eu fecho os olhos e, rápido, estou velho
tenho meus anéis e dedos e demência
na dose cera pra conter demônios, irritar meus anjos
confundir céu e inferno.
a calma, digo, o calmo azul do meu terno,
a rima me atrai como um inseto se enredando em tramas e teias (ia discorrer sobre um algoz longe, digo, distante e perto, digo, próximo, ...)
viu só como a rima me pega?!?
pronto! 
cheguei mais uma vez ao fim sem terminar nada,
sem, ao menos, saber do que (se) trata(m) este poema babel
e ainda
(após tantas inoportunas interrupções)
fico relendo e corrigindo meus erros e maculando e argh!
tudo termina neste já insuportável humor que me atormenta
a folha (que, diria, no original) barbiescamente ir

POEMAS III

HÁ UM ESPAÇO INTERNO ENTRE A BOCA E A PALAVRA QUE EU NÃO SEI ONDE ESTAVA,
PELO MENOS ATÉ ONTEM ERA O SILÊNCIO, ERA A PAUSA, O PIGARRO NA PLATÉIA OU MESMO UM ASSOBIO/VIO/VIL
"UM TREM PORCARIENTO FEITO CURVA DE RIO"
E ESTA FRASE NÃO É MINHA, MESMO AGORA SENDO
É UMA INTROMISSÃO TIPO FREUDIANA
COMO-ALGUÉM-AO-SEU-LADO-NOTANDO-LHE-A-GRIPE-SE-INVESTE-DE-PODERES-FARMACÊUTICOS-OU-FARMACOTERAPÊUTICOS-ESGANANDO MINHA INSPIRAÇÃO, ESTRAGANDO MEU POEMA,
COMO DIRIA O VULGO, EM SEU LINGUAJAR POÉTICO:
"NÃO SOU EU, SOU EU, ENFIM".

POEMAS II

essa tristeza doida doída e boba de não está bme sozinho de quem não está bem de quem não está de quem não de quem
......quem
está
.......bem
..............sozinho

POEMAS I

dizer-te o quanto amo
              guantânamo
não por seres o que 
                      quer 
                      que seja
porque o(s)eres
que por desventura estejam
mais
é que estares onde estás
em que pesem e mal-estares
ded um sonho anticapital
é o que mais pesa
é que uma baía não baiana
             abriga a briga
e a nossa briga, Cuba amiga
nos leva a declarar que na baía
há um pântano
                      mas também
um pan te amo
e um pâ ni co

terça-feira, 14 de julho de 2009

Dança do Congo do Quilombo Boa Vida - Mata Cavalo

O link relacionado levará a um site de armazenamento de dados, visto que este blog não comporta o arquivo inteiro (48 Mb), por sua capacidade (10 Mb).

Se quiser assistir ao vídeo resumido clique aqui

A fim de contextualizar e tornar mais palpável a pesquisa realizada sobre a Dança do Congo do Quilombo Boa Vida - Mata Cavalo, confeccionei este vídeo utilizando filmagens realizadas por mim e focalizando momentos e aspectos do desempenho dos dançantes que evidenciassem a falta de ensaios como a questão central em relação ao processo pedagógico e os problemas decorrentes. O material recolhido é farto e fui obrigado a fazer uso de uma pequena parte da rica e complexa manifestação artística.

Herman Hudson de Oliveira.

domingo, 12 de julho de 2009

Painéis Funarte de Bandas de Música

Secretaria de Estado de Cultural abre inscrições

para Painéis Funarte de Bandas de Música

Cuiabá recebe, entre os dias 22 e 26 de julho, a ediçao 2009 do Painéis Funarte de Bandas de Música. As inscrições estao abertas para os cursos de percussão, percepção e leitura musical, de instrumentação e arranjos musicais, de reparo e manutenção de instrumentos de sopro, de regência e técnica para instrumentos de sopro (bombardino e tuba, clarineta, saxofone, trombone e trompete). O evento acontecerá na Universidade Federal de Mato Grosso. Três cidades do país receberão os cursos entre os meses de junho e julho. As inscrições são gratuitas.

Com os Painéis de Bandas, a Funarte e o Ministério da Cultura, em parceria com a Secretaria de Cultura de Mato Grosso e a Universidade Federal de Mato Grosso buscam aprimorar, ampliar e atualizar o conhecimento de instrumentistas e regentes de bandas de música de todo o país, além de estimular a troca de experiências proporcionada pelos encontros. Os cursos têm duração de cinco dias e serão ministrados por profissionais de reconhecida competência, oriundos de diversos Estados.

Os Painéis Funarte de Bandas de Música fazem parte do Projeto Bandas de Música, que, criado em l976, vem atuando em diversas frentes, como levantamento e edição de partituras, distribuição gratuita de instrumentos de sopro e realização de cursos de reciclagem.

De 1986 a 1999 foram realizados 89 cursos, em 82 cidades, que atraíram cerca de 1500 participantes. De 2000 a 2008, mais de três mil pessoas participaram dos Painéis, que percorreram 16 cidades nos Estados de Alagoas, Amapá, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Paraná, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Santa Catarina, Sergipe e Tocantins. Este ano recebem o curso Mato Grosso, Roraima e Paraíba.

MAIS INFORMAÇÕES:

Local de inscrição:
Secretaria de Estado de Cultura
Av. Getúlio Vargas, 247 - Centro
78.005-600 - Cuiabá - MT

Contato: Tel.: (65) 3613-9203/3613-9204
Gerente de Música: Elaine Santos
elainesantos@cultura.mt.gov.br
elaine_producao@hotmail.com

Créditos: Naine Terena

Pauta Contemporânea

SESC realiza em Cuiabá
projeto na área de Música Contemporânea

O Departamento Nacional do SESC realizará o projeto Pauta Contemporânea na unidade do SESC Arsenal no período de 21 a 26 de Julho de 2009.

O projeto consistirá em possibilitar a conceituação, compreensão e experiência da Música Contemporânea através de oficinas que trabalharão o conjunto de suas técnicas de composição, performance e interpretação, junto ao seu público alvo.

Serão desenvolvidos, cursos teóricos e práticos abordando a técnica e a interpretação do violino e da viola, do violoncelo, da viola de arame, além de Regência, Prática de Conjunto e Composição Erudita, incluindo, também, discussões sobre Direitos Autorais, aspectos mercadológicos da Música Contemporânea Erudita e a profissão de compositor.

Ministrantes: Ernani Aguiar, Henrique Drach, Marcus Ferrer e Ricardo Meneses.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Projeto CIM - Construção de Instrumentos Musicais


CONSTRUÇÃO DE INSTRUMENTOS MUSICAIS
OUTRA VISÃO DO REFUGO







Herman Hudson de Oliveira







INTRODUÇÃO
A forma como lidamos com o lixo que produzimos, - seja a lata de cerveja, o pedaço de cano de PVC não aproveitado, balões de festa de aniversário enfim, tudo o que aqui será considerado como refugo - ainda padece do tratamento inadequado seja na origem, seja no destino final.
Esta atitude contrasta fortemente com a nova visão que tem se instalado nos mais diversos setores, ou seja, as suposições acerca da disponibilidade de nossos recursos - minerais, hidráulicos, energéticos, entre outros -, estão equivocadas, portanto é necessário e urgente readequar nossos usos, usufrutos e, obviamente, o destino que daremos aquilo que não usamos e/ou de que usufruímos.
Em outras palavras, a mudança de nossos hábitos subjaz a um novo pensamento, ou redirecionamento de nosso olhar sobre aquilo que cremos ser desprezível.
Nesse sentido os trabalhos que visam à redução, reutilização e reciclagem têm enorme importância não somente de forma direta[1], na medida em que ajudam, ainda que de forma incipiente, na minimização dos problemas em relação à quantidade e destino do “lixo” produzido em nossa sociedade, mas também contribuem com a reeducação do cidadão.

JUSTIFICATIVA
Atualmente em Cuiabá/Várzea Grande não há oferta de cursos ou mesmo de oficinas na área de construção de instrumentos musicais de nenhuma ordem (cordofones, membranofones, aerofones entre outros) e que contemplem aspectos ligados às questões ambientais.
No entanto, a ausência de tais cursos é estranha se tomarmos em conta que é da competência do fazer artístico (ou artesanal) da construção de instrumentos musicais o surgimento de um dos símbolos da cultura mato-grossense: a viola-de-cocho. Aliás, a não preservação de rios e matas tem comprometido o trabalho dos luthiers, requerendo que busquem alternativas na substituição de algumas madeiras tradicionalmente utilizadas na construção da viola-de-cocho.[2]
É óbvio que muitos fatores contribuíram e contribuem para que a luteraria de viola não seja disseminada e praticada com mais amplitude e que, caso não haja um trabalho sério, fundamentado e orientado no sentido de dar continuidade a esta tradição (e até renová-la. Por que não?), a viola-de-cocho, adufe e ganzá, inclusive, se tornarão peças de museu.
Não é menos óbvio que muitos fatores contribuíram e contribuem para a destruição do meio ambiente e que, caso não seja mudado este padrão de consumo e, através de ações diferenciadas e em diversos âmbitos, colocar em discussão questões ambientais de maneira séria, criativa, com a participação da comunidade jovem não apenas como receptora, também como criadora, em breve o meio ambiente, incluindo o ser humano, serão peças de museu.
Questiona-se a falta de interesse pelo jovem em dar continuidade às tradições ou de ter interesse por questões mais sérias. As razões apontadas provêm dos mais diferentes campos e, apesar de não serem excludentes ou mesmo de serem bastante verossímeis, na maior parte das vezes permanecem no campo teórico.
Por quê?
Sabendo que alguns dos traços mais característicos dos jovens são a contestação e a busca de identidade dentro de seu próprio grupo ainda se insiste em métodos ultrapassados, anacrônicos, cuja ineficácia reside justamente em seu conservadorismo, principalmente no que tange ao ensino das artes e dos fazeres que as cercam.
A abordagem tradicionalista dos cursos oferecidos não permite que hipóteses, experimentações, experiências e criação, tão importantes na formação do indivíduo, sejam levadas em consideração, reforçando um viés hierárquico na relação professor-aluno, como se o saber pertencesse ao primeiro, restando ao outro o papel de receptor.
Aplicações criativas e de criação musicais, visão crítica e um olhar que atente para as necessidades e vivências do aluno deveriam ser aspectos importantes em qualquer área de ensino, mas não são práticas corriqueiras, haja vista as limitações impostas pelas metodologias comumente adotadas.
Num universo onde a intercomunicação epistemológica e perceptiva não tem lugar, é muito provável que o indivíduo tenha uma formação incompleta[3], resultando em um ou dois dos personagens de Boécio (século VI), existentes na produção musical apontados por Tomás (2002).
Não é menos certo que a negligência com que se trata das questões ambientais e, no que concerne a este projeto, do lixo, tem resultados nefastos na sociedade não apenas do ponto de vista ecológico, mas social, de saúde, artístico, cultural enfim. Não há dúvida na urgência em discutir este assunto de maneira mais ampla, mais honesta e sempre que possível, fazendo links plausíveis e realizáveis, contextualizadores, atualizadores, rejuvenescedores.
APRESENTAÇÃO
O Projeto de Construção de Instrumentos Musicais tem como público alvo pessoas de ambos os sexos, a partir de 9 anos. O ponto de partida será a criação de situações que gerem problemas e dificuldades que serão superadas em ambiente adequado, de maneira individual e/ou coletiva, onde o professor sirva como referência em termos de mediação, orientação e consulta, haja vista que estaremos construindo conhecimento através da vivência e convivência, de maneira lúdica e criativa como bem salientou Zampronha (2002):
“Indo além da lógica do pensamento rotineiro, dominando procedimentos libertadores e otimizando funções cognitivas e criativas, a vivência musical que se pretende na educação não diz respeito exatamente ao exercício de obras caracterizadamente belas, assinaladamente bem feitas, mas sim a todas as que motivam o indivíduo a romper pensamentos prefixados, movendo-os à projeção de sentimentos, auxiliando-os no desenvolvimento e no equilíbrio de sua vida afetiva, intelectual e social, contribuindo para sua condição de ser pensante” (p.118).

Isto pressupõe interações de ordem afetiva, social, física e cognitiva. Suas implicações no aprendizado e desenvolvimento de acordo com Piaget e Vygotski[4] são de fundamental importância para a qualidade da aprendizagem, ou melhor, para que ela seja efetiva.
De acordo com a teoria de desenvolvimento de Piaget, os indivíduos complexificam suas ações na medida em que avançam em processos de maturação biológica, cognitiva, emocional, afetiva e social em suas experiências cotidianas, em contato com o meio, cuja interação, ao gerar constantes desequilíbrios e reequilíbrios, servirá de esteio para as diferentes etapas, de maneira não linear, mas sucessivamente.
Por outro lado as ações em diversas instâncias desenvolvidas ao redor e com o indivíduo são atualizadas e reconhecidas social e culturalmente quando possuidoras de marcas inteligíveis, ou melhor, ao serem eloqüentes, terem significado.
Isto, a que chamamos vivência, permite aos seres executar determinadas tarefas com maior ou menor precisão e requinte, por exemplo.
Neste sentido a vivência musical trazida por todos os envolvidos é o fator que tornará o fazer mais dinâmico e passível de lograr êxito, pois enfocaremos o aprendizado como vivência e não apenas como transmissão de conceitos. Outrossim, estabeleceremos o ponto de contato com a educação ambiental a partir da matéria-prima cuja transformação mercê da reutilização realizará a vivência.
O estímulo à cognição através do enfrentamento de problemas e conseqüente resolução nos levará a forjar conceitos junto aos alunos, construindo conhecimento em função de questionamentos, proposição de situações ideais e reais haja vista que nossa capacidade para conhecer e aprender resulta da interação de fatores internos (maturação biológica, psíquica, emocional, afetiva) e externos (meio social e físico) em contraste com nossa bagagem sócio-cultural.
Tão importante quanto as etapas de desenvolvimento, ligadas aos fatores citados acima, está a interação com o meio sócio-cultural em toda sua complexa diversidade, conforme Zampronha (2002), e a forma de transmissão e recepção, ou seja, a linguagem.
O indivíduo recebe e desenvolve em seu meio formas de comunicação pertinentes para que possa interagir, relacionar-se com seus pares, fruir, correlacionar situações e objetos no seu conhecimento e reconhecimento do mundo ao redor.
A forma como desenvolveremos os conceitos e as teorizações virão ao encontro das teorias de desenvolvimento no sentido daquilo que o aluno utiliza como linguagem musical e a própria linguagem que utilizaremos em todas as atividades propostas.
O projeto CIM (Construção de Instrumentos Musicais - outra visão do refugo) foi concebido tendo em vista as questões apontadas e será realizado em três etapas distintas, interligadas, independentes, pois podem ser executadas separadamente, mas sempre norteadas, ou melhor, permeadas pela ótica da educação ambiental, por um apelo social, através do fazer artístico de nosso povo e considerando as teorias apontadas.
A primeira etapa consiste na construção de instrumentos musicais de percussão, sopro e cordas utilizando como matéria prima resíduos sólidos inertes: refugos de canos de PVC; garrafas PET de 2 litros; refugos de madeireira e marcenarias; latas e galões de latão; caixotes de frutas; sandálias velhas de borracha; chaves inutilizadas, entre outros materiais que sejam sugeridos pelos alunos.
Este primeiro momento já inclui a segunda etapa que consiste no conhecimento e manuseio das ferramentas utilizadas na marcenaria e luteraria.
A luteraria é usualmente entendida como a arte de construir instrumentos musicais de cordas, porém em nosso projeto será entendida como o ofício de construir quaisquer instrumentos musicais.
Enquanto curso, a arte de construir instrumentos musicais figura como um dos mais envolventes, pois desperta o interesse dos alunos, aguçando sua curiosidade, principalmente porque sua prática se estende para além do espaço da sala de aula ou lugar onde é ministrado.
Nesse sentido é importante ressaltar que o presente projeto não pretende apontar uma solução permanente e milagrosa em relação aos problemas ambientais e educacionais – não é de sua competência -, mas ser um núcleo fomentador e instigador de questões e questionamentos a respeito do destino que damos aos resíduos sólidos inertes (tratados em geral como LIXO). Pretendemos sim, reorientar nosso olhar em pelo menos um aspecto de vital importância para nossa qualidade de vida e permanência neste planeta: a relação que estabelecemos com aquilo que produzimos.
Na etapa final teremos noções básicas de manuseio e execução dos instrumentos construídos utilizando, como fonte de estudos, gêneros nacionais e estrangeiros, como por exemplo: várias vertentes do samba; ijexá; tambor-de-crioula maranhense; maracatu pernambucano; siriri e cururu; baião; xote; reggae; blues; funk entre outros. Muito embora a criação individual e coletiva não sejam aspectos desprezados, pelo contrário cada prática pode e deve ser acompanhada de um momento criador/criativo.

OBJETIVOS GERAIS
· Dar alguma contribuição às discussões sobre educação ambiental
· Fazer uma reflexão junto aos alunos sobre a arte mato-grossense
· Contribuir com o fazer artístico-cultural mato-grossense
· Aguçar a curiosidade dos participantes sobre as possibilidades de reaproveitamento dos resíduos sólidos inertes
· Desenvolver e aprimorar coordenação motora e psicomotricidade dos participantes
· Realizar sensibilização musical

OBJETIVOS ESPECÍFICOS
· Construir instrumentos musicais de percussão, cordas e sopro.
· Tocar os instrumentos produzidos
· Dominar algumas técnicas de luteraria
· Dominar algumas técnicas de execução dos instrumentos construídos
· Ter contato com alguns gêneros musicais
· Desenvolver sentido tímbrico
AVALIAÇÃO
Compreender as propostas de forma a executar ações pertinentes e refletir sobre as possibilidades materiais em termos funcionais e simbólicos.

BIBLIOGRAFIA

DAVIS, Claudia; OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos de. Psicologia na Educação. São Paulo: Cortez, 1994.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia, saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1998.

GRAMANI, José Eduardo. Rítmica. São Paulo: Perspectiva, 1998.

HARNONCOURT, Nikolaus. O discurso dos sons, caminho para uma nova compreensão musical. Rio de Janeiro: Jorge Zahar editor, 1988.

LIMA, Marisa Ramires Rosa de; FIGUEIREDO, Sergio. Exercícios de teoria musical. Uma abordagem prática. São Paulo: Artcromo, 1991.

MED, Bohumil. Teoria da Música. Brasília: Musimed, 1996.

OLIVEIRA PINTO, Tiago de. Som e música: Questões de uma Antropologia Sonora. In: Revista de Antropologia, São Paulo: USP, v.44, nº 1, 2001. pp.221-286.

PAREDES, Eugênia Coelho et al. Psicologia: fundamentos da teoria piagetiana. Cuiabá: UFMT, 1995.

REGO, Teresa Cristina. Vygotski, uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis: Vozes, 1995.

SATO, Michele (Coord.). Sentidos Pantaneiros: Movimentos do Projeto Mimoso. 1ª ed. Cuiabá: KCM Ed., 2002.

SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo: uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora. Trad. Marisa Trench Fonterrada. São Paulo: Ed. UNESP, 2001. Título original: The Tuning of the World.

WISNIK, José Miguel. O som e o sentido. Uma outra história das músicas São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

ZAMPRONHA, Maria de Lourdes Sekeff. Da música, seus usos e recursos. São Paulo: Editora UNESP, 2002.


[1] É importante ressaltar que a reciclagem não é, nem de longe, o ponto mais importante da educação ambiental, pois consome energia não renovável, demanda utilização de produtos químicos. A reutilização, apesar de não apresentar resultados significativos, em muitos casos é uma opção melhor do que a reciclagem por não necessitar de muita energia para produção, tampouco demanda por produtos químicos e ainda tem a vantagem de servir como uma ferramenta útil e acessível nas ações de educação ambiental. Enfim, a redução desponta como a ferramenta mais eficiente, pois a mudar os padrões de consumo, utilização de embalagens, entre outros é o que pode realmente desonerar a natureza no início da cadeia produtiva e no destino final dos resíduos sólidos inertes.
[2] Tradicionalmente o sarã-de-leite tem sido utilizado na construção da viola-de-cocho, mas o assoreamento dos rios e a destruição da mata ciliar têm colocado em risco esta espécie forçando os luthiers a buscarem madeiras de porte no interior das matas. Entretanto este procedimento requer um necessário, porém não tão simples trâmite burocrático: autorização do IBAMA.
[3] É consenso entre os educadores que a formação do indivíduo deva prestigiar a maior quantidade de conhecimentos possível, abarcando os diferentes saberes. Vide LDB 9394/96.
[4] Conforme discussões e orientações levadas a cabo em sala de aula pela Professora Ms Daniela Zaneti, no curso de Educação Artística, disciplina de Psicologia da Educação, 2004.

sexta-feira, 29 de junho de 2007

PRÁTICA PEDAGÓGICA
OBSERVAÇÃO E PESQUISA SOBRE PRÁTICA NÃO-FORMAL
GRUPO DE PERCUSSÃO BATUQUE NAUÁ


APRESENTAÇÃO
Embora tivesse programado quatro observações de situações de ensaio, devido a um feriado e uma apresentação, houve tempo hábil apenas para três. Utilizo neste relatório final o primeiro ensaio por acreditar que sintetiza todos os outros, mas com anotações feitas em outras oportunidades, seja em forma de notas de rodapé, apontamentos e reflexões.
Separei o texto em dois blocos: Observação e Entrevistas.
Em Observação separei o texto em Antes do ensaio e Ensaio, mas, também em pequenos blocos, sem título por sua inserção na situação observada e em conformidade com os temas abordados.
Em Entrevistas separei apenas por entrevistado, seguindo uma ordem cronológica. Infelizmente não foi possível entrevistar o principal ator deste grupo, Daniel, devido a uma série de desencontros e equívocos.

OBSERVAÇÃO

Antes do ensaio – 23/08/2006
Na fila do RU (como é chamado o Restaurante Universitário) encontrei Artur, um dos componentes do grupo de maracatu que, em sua maior parte, é formado por alunos e ex-alunos da UFMT.
Visto que já nos conhecíamos e que isto viria a interferir na forma como se daria o desenvolvimento de nosso diálogo, logo de início me apresentei como pesquisador e nossa conversa girou em torno de sua forma de contato com o grupo, mas de modo muito particular acabou convergindo para o aspecto técnico-instrumental.
Artur revela um conhecimento bastante apurado sobre o assunto. Muito embora não domine a terminologia musical consegue exprimir diferenças entre tocar caixa e tocar alfaia; gonguê e alfaia; xequerê e alfaia
[1]. A referência se torna óbvia: a alfaia se revela o coração do maracatu em diferentes sentidos (metafórica e musicalmente, por exemplo), mas o desafio é tocar caixa e gonguê (“é que a caixa e o gonguê tem que ter força pra tocar, a alfaia não, ela é mais marcada” - Artur, 23/08/2006).

Ensaio
Hoje é domingo, dia de descanso, de passeio, de futebol... Dia de Maracatu.
Fui chegando pelo portão da saída leste da UFMT acreditando que tivesse que mudar meus sujeitos de estudo, pois não se ouvia nada.
Fui me aproximando. Reitoria, Biblioteca Central, Teatro Universitário, área verde abaixo do Teatro... Opa, já deu pra ouvir! Um pouco entrecortado, ora um instrumento, ora outro, mas começou.
Como já havia me apresentado anteriormente e avisado que faria a observação para a prática pedagógica, fiquei fora do raio de alcance para poder distinguir os instrumentos e já percebendo que havia gente nova no pedaço (as alfaias estavam desencontradas nos finais de alguns compassos)
[2].
Os integrantes do grupo variam entre seis e oito (três alfaias, uma caixa, um gonguê, dois xequerês, um chocalho), apenas uma mulher, um músico que lê partitura, um estudante de direito que também lê e os demais não-músicos.
O ensaio não segue nenhuma estrutura a não ser a separação entre os maracatus e as cirandas; ele (o ensaio) é de repertório em que os “mais novos” vão se agregando ao grupo e tocando os instrumentos que estiverem livres. Quem estiver mais próximo ou com instrumento semelhante vai ensinando a quem chega que vai “entrando na roda” na medida em que vai aumentando seu grau de intimidade com o “toque”.
Pode-se traçar um paralelo com o aprendizado musical em comunidades locais (CONDE & NEVES, 2001) onde o envolvimento não se dá pelas vias formais, visto que o espaço de aprendizagem é aberto, público, por onde transitam pessoas de diferentes classes sociais, formação, visão de mundo e, algumas, se identificam com a música que é executada, ficando por ali, tocando um instrumento ou não.

O repertório vai sendo executado segundo a memória, a lembrança de cada um: “E aquela assim?” ou “Vamos tocar aquela que faz assim?”, ou seja, a referência pra quem não conhece os códigos, o repertório, a estrutura rítmica é vaga e só se materializa enquanto vão tocando. Não se referem às músicas pelo título, mas pela linha melódica e pela primeira frase (cantada ou falada). É provável que o grupo tenha, ao longo do tempo, encontrado formas de referenciar repertório e também de estabelecer códigos para solucionar problemas de comunicação.
Todas as músicas têm uma estrutura similar: primeiro uma toada
[3], onde apenas se canta (com ou sem resposta do coro), em geral na métrica de quadra, repetindo os versos das estrofes e do refrão, duas ou três vezes e terminando na tônica para introduzir a percussão.
As convenções (breques, dobras, acelerandos...) são realizadas com os membros se entreolhando, ou por um fenômeno de “contaminação”, embora haja sinais indicativos de quem faz pausa e quem continua executando para um retorno do conjunto todo cujo efeito é contagiante. Às vezes só o gonguê, ou a caixa fica tocando e alguém da alfaia (Arthur ou Daniel) após uma seqüência de 4 ou 8 compassos, conta dois compassos (“E 1, 2, 3, 4.”) para a entrada de todos.

A roda/círculo durante o ensaio é a mantenedora da comunicação entre os participantes, permitindo que dinâmicas, muito utilizadas por eles, possam ser realizadas. Estar no círculo equivale a participar do evento. Isso pode ser observado na posição de quem se aproxima do grupo, se bem que há pessoas que, não percebendo este código/signo, se posiciona no círculo mesmo sem tocar no ritmo, ou melhor, dominar a célula rítmica daquele instrumento.
Entretanto é preciso definir o conceito de roda/círculo que, nesse caso, não se trata apenas de fenômeno organizado espacialmente, mas de um organismo, visto que é formado por seres vivos em constante movimento e produção. Portanto há uma dinâmica de abertura e fechamento a fim de absorver ou não um novo “produtor” que deve se adequar ao que está sendo produzido. O fato significativo é a forma como isso acontece: cada membro (conforme o grau de intimidade com o instrumento) assume uma postura pedagógica e, conseqüentemente autônoma, que se torna um dos mecanismos mais importantes de integração deste novo membro.
Pelo menos três membros realizam esta tarefa.
Suas indicações fraseológicas, por exemplo, são vagas, mas inteligíveis: compõe-se de “Assim, ó: tam-tum tam-tum tam-tam-tam-tam-tum, vai, agora...” ou “Vai! Um, dois, três, quatro e um, dois, três, quatro e...” para acertar compasso, ou “Quem quem-quem...” (Daniel ensinando uma célula de gonguê).

Lamentavelmente, ao final do ensaio, quando íamos conversar, veio a chuva e todos se dispersaram numa explosão significativa do crescendo e acelerando do final do ensaio em que a roda foi se fechando, fechando e acelerando até atacar num fortíssimo na cabeça do compasso, ou seja: interessante metáfora, onde o final da música cai no início do compasso abrindo a possibilidade para um recomeço.


ENTREVISTAS
Estas foram entrevistas semi-estruturadas e que tiveram como ponto central, ou pontos centrais, relacionar ingresso e permanência no grupo com origem do próprio grupo; pedagogia ou conhecimentos musicais utilizados no processo de aprendizagem e domínio de uma nova linguagem musical e saber de alguns objetivos do grupo enquanto proporcionador de espaço de aprendizagem (PRASS, 2004).
Dando voz aos entrevistados, mas, ao mesmo tempo, realizando reflexões, optei por não referenciar as falas a todo o momento para não tornar o texto cansativo. Portanto, utilizei aspas para identificar suas falas.

Entrevista com Fabrício Monteiro da Silva em 11/09/2006
Hoje é terça-feira e, num encontro após o almoço no RU, resolvemos nos encontrar para conversar sobre o grupo, seu início, significado, entre outras coisas.
O entrevistado é meu amigo e senti que este fato ora colaborou, ora prejudicou o andamento da entrevista. De um lado permitiu que a conversa fosse bem descontraída, de outro me deu a impressão de que ele imaginava que eu deveria saber algumas coisas acerca do assunto e que não fazia sentido respondê-las.
Fabrício, 34 anos, é integrante do Grupo de Percussão Batuque Nauá. Formado em Jornalismo, funcionário do INCRA, cursando Direito na UFMT, mas, nas palavras dele, “amante da música” (PENNA, 2003), com domínio razoavelmente bom de grafia musical. Está no grupo há cerca de 1 ano (talvez mais, não soube dizer ao certo) e, apesar de ter ingressado no início, não se considera um de seus fundadores.
Pergunto a ele sobre como se deu seu ingresso no grupo, a forma como o grupo o acolheu e como se inseriu na dinâmica grupal, mas suas respostas foram tão evasivas que sou levado a crer que, além de sua bagagem musical e seu conhecimento prévio do repertório, ainda que superficial, fizeram de seu ingresso, não algo marcante, mas natural até certo ponto.
Sua adesão ao grupo e as referências declaradas forneceram esteio e base para sua permanência, mas apresenta a proposta do grupo como um dado novo para mim, demonstrando que sua experiência foi/é válida: “A proposta inicial do grupo não era tocar apenas maracatu, mas diversos ritmos, fazendo pesquisas... todos tocam tudo, mas a gente tem os instrumentos de preferência... nunca toquei alfaia, mas conhecia a caixa, instrumento que toco até hoje... eu fiquei com a caixa porque já conhecia...”.
É interessante que figuram entre conhecimentos e referências utilizadas na facilitação de seu ingresso e permanência: escolas de samba, Jorge Bem, Nação Zumbi-Chico Science, viagens pelo nordeste, vídeos e CDs de e sobre maracatu.
Isso me fez pensar sobre desterritorialização, mídias, criações, territórios, folclore (FREIRE, 1999, p.13), mas também trocas, valorização, integração, processos de construção, miscigenação cultural, onde a mistura traz o novo.
Falar sobre o grupo e suas origens é falar sobre Daniel (figura central do grupo). Vêm à tona questões bastante interessantes, visto que, de acordo com Fabrício, ele não é reconhecido e nem se reconhece como “Mestre” (título dado aos coordenadores dos Maracatus em Pernambuco). Mesmo quando me refiro ao Daniel como “líder” meu entrevistado não aceita, preferindo que eu o chame de “fundador”.
Assim, o fundador do grupo realizou, no começo, oficinas de percussão corporal, sensibilização corporal que Fabrício percebeu como conhecimentos acadêmicos e, indo além, declara que são conhecimentos necessários para o ensino (KATER, 2004).
O papo segue descontraído, com interrupções, risadas, porque meu interlocutor (e essa foi uma declaração que fiz) é um péssimo informante, então pergunto de forma direta se, em algum momento, foi utilizada a grafia musical tradicional (partitura ou coisa do gênero) para transmissão de conhecimento, descubro que, por causa de uma dificuldade técnica (Fabrício é canhoto e Daniel é destro) foi cedido um material particular, (uma revista de percussão com um espaço para maracatu) para compreender os toques e células. Todavia este material só foi cedido após muita insistência e não circula pelo grupo.
Este trecho mexeu um pouco comigo pois, embora meu entrevistado tenha declarado não haver um líder e, sim, uma igualdade entre os membros, há um controle, manutenção de posição, lugar de poder configurado pela maneira como se lida com informação, ou melhor, conhecimento.
Chegando ao final da entrevista alguns tópicos ainda estão em aberto, já que o grupo adquiriu uma nova categoria aos meus olhos: é um grupo que quer se desenvolver e tocar diferentes gêneros, mas é um grupo jovem, aberto
[4] que pretende disseminar conhecimentos musicais (se bem que nisso pode haver alguma contradição ou questão de ordem metodológica ou de poder), por outro lado a indagação mais que pertinente “O que leva estas pessoas a saírem de casa num final de tarde de domingo pra ir tocar maracatus e cirandas?” e que é de pronto respondida “... a gente vai descarregar energias, agora viajei, mas acho que é isso mesmo...”


Entrevista com Arthur José Pimentel Lopes – 14/09/2006

Estamos sentados no saguão do RU à noite e agora reflito sobre como o espaço do RU tem sido uma constante nesta pesquisa, (os contatos, as conversas, o ensaio), tentando emplacar uma conversa congruente e que destaque os pontos que julgo serem relevantes, apesar de que acredito que é preciso dar “voz” aos entrevistados como forma de contemplar a ótica de quem está fazendo, realizando o processo.
Arthur, pelo que pude perceber, é um dos líderes do grupo
[5], recém graduado em Filosofia, apesar de ter passado pelo Curso de Direito em outra faculdade.
Assim como Fabrício, tem nas figuras de Chico Science e da banda Nação Zumbi referências para o grupo.
Neste ponto perguntei sobre a origem do grupo e do nome (Batuque Nauá).
“O nome tem origem na língua tupi-guarani e quer dizer ‘gente’, então significa batuque da gente” e foi trazido para o grupo quando surgiu a preocupação em dar um nome, após duas tentativas – nomes que ficaram provisoriamente, mas que ele não quis dizer quais eram. Então, nessa época, Daniel propõe Nauá, palavra que ele conheceu em Florianópolis, quando de sua passagem por lá, no mesmo período em que aprendeu o maracatu.
O conhecimento e a musicalidade do grupo diferem dos de suas influências em diferentes aspectos: através de Chico Science conhecem o Maracatu que é a música/dança/ritual de coroação realizados pelas nações
[6] onde também buscam inspiração, repertório, técnica e também, pesquisando em vídeo, revistas, internet. Meu interlocutor quer deixar bem claro que há uma diferença grande entre o grupo e as nações que são “mais completas”, pois possuem, além do cortejo (batuqueiros e dançarinas), as figuras da coração (Rei e Rainha do Maracatu) que remetem à África.
Tenho a impressão de que ele quis dizer mais sobre o sentido de completude contido em ‘nação’. Percebo que o termo abarca questões muito próprias ao maracatu e que vão além dele por conter noções de identidade, construção cultural estreitamente ligada à territorialidade.

Arthur utiliza terminologias próprias, híbridas em relação a qualquer jargão musical, seja profissional liberal, acadêmico ou regionalista pernambucano. Porém, olhando por outro prisma, por não se tratar de um grupo com formação, objetos e objetivos definidos, pode-se interpretar como uma forma de solucionar um problema comunicacional através de uma construção vernacular particular.

Ele entende que a prática tem dois momentos distintos, divididos em: apresentação e ensaio.
Em sua fala percebo que a autonomia e pesos individuais proclamados ainda são modelos ou desejos que constam, por enquanto, no plano ideal quando afirma que os ensaios não representam, a seu ver, apenas momentos de aprimoramento técnico, repertorial, mas são verdadeiras “oficinas, onde ensina, digo, se troca experiências”.
Por outro lado, as apresentações contêm um elemento mágico, catártico ou, em suas palavras, “um momento de confraternização”.
Também nesse sentido é que o grupo é incompleto, não apenas quando aspiram a um número maior de participantes, mas como obra que precisa do público e, por conseguinte, da apresentação para se realizar.
Ao ser perguntado sobre os objetivos do grupo, responde que a idéia é “plantar sementes” para que “a partir deste grupo surjam outros com os mesmo ideais”.
Em relação a estes “ideais” faz uma exposição sobre a situação dos grupos e pessoas de Florianópolis que deram origem ao Batuque Nauá. Aponta dois grupos distintos, de um lado os grupos que se profissionalizaram ganharam dinheiro, “montaram escolas de maracatu” e ganharam mais dinheiro com isso, de outro os grupos que continuaram amadores, realizando apresentações em datas importantes, em geral de conotação religiosa, mas que têm uma ligação forte com as Nações de Pernambuco, pra quem “prestam homenagens como no caso da comemoração de aniversário do Maracatu Estrela Brilhante, um dos mais tradicionais”.

CONCLUSÃO
Há diversos aspectos curiosos no perfil deste grupo que tem uma faceta artístico-musical muito peculiar, pois assume um amadorismo ideológico em oposição ao mercado musical de orientação puramente capitalista, ao mesmo tempo em que se reconhece enquanto grupo de músicos, porém, pedagogicamente não é conteudista, pelo contrário, faz uma opção bastante arrojada e alinhada com o que há de mais avançado nas discussões de educação musical ao assumir os saberes de qualquer espécie como importantes no processo dialógico de ensino-aprendizagem que se realiza durante os ensaios.
Outro detalhe importante é a internalização das formas musicais representada pela incorporação ao repertório de composições do grupo (na verdade trata-se de composições de Daniel e Arthur).
Enfim, há a estrutura em que se assenta o fazer musical e pedagógico do grupo onde percebemos que a pesquisa-(visa o)-ensaio-(visa a)-apresentação, muito embora estejam envolvidas outras dinâmicas e variáveis, como: empenho individual, falta de instrumentos inconstância de alguns atores o que faz com que um núcleo assuma o grupo embora a proposta não seja exatamente esta e sim, autonomia e descentralização de ações e poderes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CONDE, Cecília; NEVES, José Maria. Música e educação não-formal. Pesquisa e música. Revista do Centro de Pós-graduação do CBM. Rio de Janeiro, v.1, n.1, p. 41-52. 1984/85.

FERRARO JUNIOR, Luiz Antonio (org.). Encontros e caminhos: formação de educadoras(es) ambientais e coletivos educadores. Brasília: MMA, Diretoria de Educação Ambiental, 2005, p.37-46.

FREIRE, Vanda Lima Bellard. Currículos, apreciação musical, e culturas brasileiras. Revista da ABEM, Porto Alegre, v.6, p. 69-72, set/2001.

__________________________. Currículos de música e culturas brasileiras. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 9. Belém, 2000. Anais... Belém: ABEM, p.133-140, 2000.
__________________________. Música, globalização e currículos. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 8. Curitiba, 1999. Anais... Curitiba: ABEM, p.10-16, 1999.

KATER, Carlos. O que podemos esperar da Educação Musical em projetos de ação social. In: Revista da ABEM. Porto Alegre, v.10, p.43-51, mai/2004.

LÜHNING, Ângela Elizabeth. A Educação Musical e a música da Cultura Popular. ICTUS, 1, Salvador, v.1, p.43-60, 2000.

PENNA, Maura. Apre(e)ndendo músicas: na vida e nas escolas. In: Revista da ABEM. Porto Alegre, v.9, p.71-79, set/2003.

PRASS, Luciana. Saberes musicais em uma bateria de escola de samba. Uma etnografia entre os Bambas da Orgia. Porto Alegre: EdUFRGS, 2004.

SOUZA, Jusamara. Múltiplos espaços e novas demandas profissionais: reconfigurando o campo da Educação Musical. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 10, Uberlândia, 2001. Anais..., Uberlândia: ABEM, p.85-92, 2001.

________________. Música, cotidiano e educação: pressupostos e temas fundamentais. In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 9. Belém, 2000. Anais... Belém: ABEM, p.69-78, 2000.


[1] Alfaia: tambor construído artesanalmente com chapas de compensado, lâminas de madeira, couro de boi e cordas.
Gonguê: instrumento de percussão feito de metal fundido, composto de quatro partes, de ferro, soldadas: uma que serve de apoio na perna, uma haste de metal por onde se segura o instrumento e duas chapas grossas, dobradas convexamente, afuniladas, soldadas e parafusadas, presas de um lado à haste e abertas na extremidade, percutidas com um bastão de madeira.
Xequerê: instrumento feito com uma cabaça aberta numa extremidade e com o corpo envolto por contas trançadas em fios encerados.

[2] Posteriormente tudo será registrado em pauta musical.

[3] Arthur referiu-se às músicas como loas, mas Daniel, precursor do grupo, refere-se como toadas.
[4] Esta abertura é de diferentes níveis: às influências, posto que pretendem tocar outros ritmos; às pessoas que queiram participar e às pessoas que queiram ingressar.

[5] Embora nenhum deles admita estas lideranças, por uma questão de orientação filosófica do grupo que vê nos processos interativos entre seus membros e pessoas que gravitam por ele “trocas de experiências” de acordo com a fala de Arthur durante a entrevista.

[6] As nações de maracatu são as agremiações em torno das quais se organizam os diversos grupos para o desfile e, em sua maioria, são de orientação religiosa afro-brasileira, estruturado hierarquicamente e, muitas vezes, familiarmente também.

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Companhia de Inventos Musicais-CIM: Cordofones

Companhia de Inventos Musicais-CIM

tiohermy@gmail.com Companhia de Inventos Musicais-CIM
tio_hermy@yahoo.com.br
Partituras aleatórias.




























JOHN CAGE – INDETERMINAÇÃO (ALEATORISMO)

1.Apresentação
Em função das dificuldades enfrentadas por nós estudantes, principalmente em virtude das greves e paralisações dos servidores públicos o que nos atinge tanto nas necessidades estruturais (acesso à internet, restaurante universitário, salas de estudos), quanto nas de acesso à informação[1] (laboratório de informática, biblioteca, salas adequadas...) o presente trabalho será apresentado baseando-se em apenas duas bibliografias impressas e, no mais, informações extraídas da mídia digital que, como sabemos não prima pela exatidão de seus dados.
Esta preleção, a guisa de desculpa, se faz necessária devido à recorrência de citações de um mesmo autor – Vera Terra -, conforme será demonstrado nos próximos parágrafos. Ressalvem-se as citações de Giulio Carlo Argan, cuja leitura havia sido feita em outra oportunidade, mas que chamou a atenção por constar em Terra (2000) e de Paul Griffits de quem foi lido apenas o capítulo sobre Aleatorismo.

1.1 Sobre a estrutura
Este trabalho não contém um capítulo de conclusão, pois as reflexões foram sendo realizadas durante a construção do texto e, portanto, a conclusão seria, neste caso, uma redundância.
Abri mão de fazer um capítulo extenso sobre a biografia de John Cage pelo fato de poder ser facilmente encontrada em qualquer local (site, livro, blog, resenha, ensaio...) com desencontro de informações ou margem de erro muito pequena e, assim, pontuei apenas alguns itens por sua obviedade ou relevância.
A estrutura conceitual se assenta em três eixos, visto que o Aleatorismo não é auto-explicativo o que determina sua contextualização no Modernismo a partir de algumas abordagens de caráter histórico, cultural e musical. Entretanto cabe ressaltar que só pode ser pretensão de um mero seminário apontar superficialmente territorialidades e temporalidades na localização desta corrente.
Dada a abrangência do tema e o número de músicos que se empenharam em fazer e pensar Aleatorismo, apenas seria possível ater-se a uma técnica focando um autor ou grupo dentro da corrente. Na realidade os compositores, individual ou coletivamente procuraram defender sua técnica composicional como a mais apropriada, melhor fundamentada ou mais avant garde.
O fato é que esta corrente, bem como outras em outros tempos e lugares, agregou diferentes pensamentos, prova disso são as definições diferenciadas, ao menos nos casos de Boulez e Cage em que temos Aleatorismo e Indeterminação, respectivamente.
Assim é que John Milton Cage Jr torna-se lídimo representante da Indeterminação em música, pois, de acordo com Francis Bayer este termo se aplicaria a, pelo menos, duas situações de composição concomitantes em que os elementos utilizados combinados criam uma ruptura de sentido e perda da concepção de obra (apud TERRA, 2000, pp.19, 135).

2. INTRODUÇÃO
2.1 Contexto histórico-cultural

Segundo Giulio Carlo Argan, eminente crítico de arte do século XX, a crise que se instala na arte, em todas as suas poéticas, surge como reflexo da Primeira Guerra Mundial basicamente por dois motivos: o apogeu do racionalismo artístico contradiz a irracionalidade da guerra, mas também há um esgotamento de material, técnica, temática, estética (1993, p.507).
As tentativas de reconstrução dos elementos artísticos aliadas à crescente aproximação entre os intelectuais da época, começam a esbarrar em conceituações que visam o rompimento com os cânones tradicionais. A própria filosofia começa a duvidar de si mesma em função das visadas existencialistas, do avanço dos estudos em psicologia, da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt, mas de maneira mais eficaz devido às abordagens fenomenológicas de Husserl, Heidegger, Merleau-Ponty e outros.
Não poderia ser verdade que as outras áreas de conhecimento realizassem as mudanças em música, já que ela vem mudando através dos tempos, mas os intelectuais da época, entre eles diversos artistas, irão fornecer o suporte teórico como base não-artística propriamente ou fornecerem material artístico, mas não-musical. É assim que temos figuras que, não sendo músicos profissionais, (instrumentistas, compositores, maestros...) vão diletantemente trazer propostas inovadoras de um arrojo impensado pelos músicos, vide o caso do Serialismo de Scöenberg.
Isso demonstra que mesmo os compositores comprometidos com novas propostas estéticas e inovações nas correntes de vanguarda estavam ainda muito presos à música de academia, naquilo que ela sempre guardou como tradição.
A situação da arte torna-se cada vez mais aguda e, após a Segunda Guerra Mundial, o centro polarizador das criações artísticas já não é mais privilégio da Velha Europa, principalmente de Paris e, nesse cenário, em New York, Tókio, São Paulo, Nuevo México começam a confluir e refluir movimentos e movimentações de artistas e intelectuais com propostas novas e ousadas.
Embora pareça contraditório é na França, no bojo do Cubismo, que se insinua a estética fundante da Arte Contemporânea: Dadá.

2.2 Na música
Curiosamente, os antigos libretos que acompanhavam as apresentações musicais são apenas substituídos por textos explicativos. Na realidade a busca por soluções fora do âmbito estritamente musical, dada a interlocução entre as diferentes áreas de conhecimento, resulta na apresentação das obras acompanhadas de pormenores teóricos que explicitam procedimentos e fundamentos. Tais textos não se restringiam a expor métodos e referenciais, mas defendiam de maneira panfletária, às vezes, suas idéias e objetivos.
É nesse contexto que se circunscreve o que foi chamado de Estética da Indeterminação (segunda metade do século XX), pois acolhe procedimentos indeterminados no tratamento do material, da forma e da interpretação ou, nas palavras de Earle Brown “função criativa do não-controle” (apud TERRA, 2000, p.18). Portanto, ao ser abandonada uma das premissas básicas que é o controle, o direcionamento, a intenção-fim não poderia estar sendo colocada em cheque outra premissa que é a da autoria? Sendo assim não se compromete o fazer no nível em que a concepção de obra de arte se insere, fazendo com que perca o status?
Paul Griffits (p.159) afirma que os europeus se preocupavam muito com o problema do controle (Schöenberg, Webern, Boulez, Stockhausen, Ligeti...), já o norte-americano John Cage, não, o que comprova a tese de Argan de que um dos componentes libertadores da arte de suas amarras acadêmicas é o deslocamento do pólo cultural europeu para outras partes do mundo.

O aleatorismo surge como elemento constituinte da música eletrônica e do serialismo integral por causa do processo composicional. No primeiro caso devido ao comportamento dos sons complexos e no outro por causa do determinismo numerológico.
De qualquer forma é requerida da arte alguma resposta eloqüente ao non sense bélico e esta resposta tem íntima ligação com as correntes artísticas modernas e contemporâneas, seja no controle total de Webern, seja na instigante indeterminação de Cage.
Fatalmente o controle weberniano mostra-se ilusório na medida em que o serialismo praticado por ele é uma técnica numerológica (GRIFFITS, p.159) o que certamente fornece as bases do aleatorismo de Boulez e a indeterminação de Cage, já que um se atém aos aspectos positivos e o outro aos negativos da obra de Webern (TERRA, 2000, p.23). Um quer o som, o controle, o outro quer o silêncio, o incerto.
Ainda de acordo com Vera Terra a indeterminação no contexto da produção artístico-musical comparece menos como desagregadora de um sistema (tonal) e mais como um componente propositivo. Em outras palavras, não é uma experiência devastadora, caricatural ou anedótica da música de concerto tonal, mas surge como solução dos problemas advindos do seu esgotamento.
Assim, há neste momento uma configuração artística (grifo do autor) em função de um conjunto de obras que vai se delineando como rompimento num evento, fazendo do rastro dela advindo uma estética passada que será, por força da inovação, inserida no campo do academicismo (BADIOU apud TERRA, 2000, p.17).

3 E O ALEATORISMO[2]...?
Para Isabel Alvarez o termo pode ser entendido como uma técnica composicional em que os elementos, em maior ou menor graus, serão indetermináveis na composição, execução ou em ambas.
Seus fundamentos se prestam a (in)-determinar o caminho ou procedimentos para que aquilo que pudesse ser um elemento fomentador não se transforme em formalismo.
A idéia é permitir o máximo de liberdade de forma e conteúdo em que o campo de atuação (o silêncio) não seja concebido apenas como fundo, mas seja inserido na música como figura, trazendo consigo o a maior quantidade possível de componentes externos imprevisíveis ou previsíveis, mas não controláveis.
Nesse sentido os procedimentos variam: há o piano preparado de Cage; a improvisação a partir de sugestões na pauta (ou não); utilização de mapas musicais; indicação de melodia, mas não de tempo; escolha aleatória de trechos escritos previamente; indeterminação de andamento...

Um dos aspectos fundantes da Música Aleatória é a ilusão da unidade intenção-escrita-audição, já que não nenhuma garantia de que aquilo que o compositor imaginou primitivamente e registrou em seguida, será executado pelo intérprete ou mesmo aquilo que o espectador escuta e apreende, retém sejam a mesma e única coisa.
As relações não são simples, existem muitas variáveis cuja origem, contexto e resultados jamais são os mesmos. Por outro lado, apenas a incorporação total do acaso na música é fato recente, visto que, já no barroco, não há indicação de andamento surgindo como forma de participação do intérprete. Vale lembrar que Mozart se utilizou da alea (jogo de dados) para compor (Würfelspiel).

3.1 O aleatório na obra de Cage...
... que, pelos motivos expostos, prefere o termo Indeterminação, não é um mero abandono[3], pelo contrário consiste em ilustrar meticulosamente o que está sendo feito e o que pode advir desta intenção. Mesmo em 4’33” há uma intenção não-intencional do compositor, menos em termos de controle e aprisionamento do que como proposição do evento e articulação dos componentes externos necessários à sua consecução: demiurgia (?).
A Indeterminação toma formas interessantes entre os colegas (discípulos?) de John Cage na Escola de Nova Iorque. Percebe-se que aspecto gráfico mais do que nunca tem importância nuclear nessa corrente, sendo fundamental para a execução das peças como mapa, indicativo das (não)-intenções do compositor.
Entretanto fica claro que compositor e intérprete devem partilhar códigos, sem os quais a comunicação ficaria interditada. Feldman, por exemplo, determina a forma, a partir de seu mapa, dando indicações de conteúdo a partir de uma grafia estrutural, geométrica e espacial. Brown, por sua vez, indica o conteúdo e não a forma, chegando a sugerir apenas por uma única linha sua pretensão sonora.
Cage vai preocupar-se com o processo e o contexto mais do que com a obra e, por conseguinte o texto e este será um dos muitos contrastes entre ele e Pierre Boulez (TERRA, 2000, p.36). A DIFERENÇA entre eles também pode ser percebida no ponto em que Boulez não abre mão do controle como garantia da propriedade da obra, enquanto que Cage não se detém no poder, abre mão do controle e de uma concepção bouleziana de autoria em prol da inovação (TERRA, 2000, p.47).
Percebe-se uma preocupação em trazer a indeterminação desde o barroco enquanto elementos timbrísticos, amplitudinais e, assim, performáticos. Entretanto considera que a música do século XX deve ir além, por isso a crítica a Stockhausen e, portanto, uma radicalidade no tratamento da forma, do material e da performance, ou seja, a indeterminação se instaura em todos os níveis da obra.
John Cage quer romper com a série de doze sons e a pulsação e transcende quebrando as formas acadêmicas. Nesse sentido aproxima-se fortuitamente do Dadaísmo “Nada, portanto, é alcançado com esta performance, já que ela não pode ser entendida como um objeto no tempo” (CAGE apud TERRA, 2000, p.33).

4. BIOGRAFIA e ALGUMAS OBRAS
- John Milton Cage Jr, nascido em Los Angeles, 05/set/1912;
- Abandonou a escola, foi para a Europa onde estudou Arquitetura e interessou-se por música e pintura;
- Estudou harmonia com Adolph Weiss e música oriental e folk com Henry Lowell na New School for Social Resourch (NY);
- Estudou com Schöenberg com quem brigou posteriormente;
- Envolveu-se com dança em ’37;
- Interessou-se por ruídos (e silêncio) montando uma orquestra de percussão para quem escreveu sua primeira peça experimental First Construction in Metal;
- Com o bailarino Merce Cunningham fez parceria em sua Cia de Dança;
- Criou o happening ao organizar um evento multimídia no Black Mountain College reunindo pinturas de Rauschenberg, a dança de Merce, música, filmes, poesia...
- Seu piano preparado surge em decorrência de uma peça encomendada pela dançarina Sylvilla Fort da Cornish School para a coreografia de seu Bacchanale de motivos afro-rítmicos, por isso os sons primitivos e percussivos criados pela inserção de objetos entre as cordas do instrumento;
- Posteriormente compôs suas Sonatas e Interlúdios todos para piano preparado;
- Fez incursões pela música eletrônica (Imaginary Landscape nº 4);
- Através do estudo do oráculo chinês (I Ching) compôs Music of Changes cuja técnica composicional consiste em “sortear” um hexagrama que, por associação, toma um conjunto de cartelas, compostas de som e silêncio, como base de interpretação e execução;
- A peça 4’33”, figura como marca registrada de Cage e
- O conjunto de ensaios intitulado Silence em que apresenta muitas de suas propostas e idéias sobre indeterminação, sendo estas duas últimas obras as principais responsáveis pelo rótulo de neo-dadaísta.

5. DISCOGRAFIA
Piano preparado para Bacchanale
Imaginary Landscape Nº 1
Sonata Nº 1
Musico f Changes (1951 – Book 1)

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GRIFFTHS, Paul. A Música Moderna: uma história concisa e ilustrada de Debussy a Boulez, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1987.

TERRA, Vera. Acaso e aleatório na música: um estudo da indeterminação nas poéticas de Cage e Boulez. São Paulo: EDUC-FAPESP, 2000.

ÁLVAREZ, Isabel. ¿En qué consiste exactamente el principio de aleatorismo que propugnaba John Cage? ¿Qué son los pianos preparados?Disponível em:< id_d="82&secc="1"> Acesso em: 05/jun/2007, 13h10m.

BIOGRAFIA DE COMPOSITORES DE MÚSICA CLÁSSICA: JOHN CAGE. Disponível em : Acesso em: 05/jun/2007 13h.
[1] Principalmente informação confiável, de manuseio e leitura mais fáceis e não prejudiciais como é o caso do monitor de computador.
[2] Aleatorismo: Do latim alea, que quer dizer sorte/azar, ou como referência ao jogo de dados. O termo foi utilizado por Boulez em um ensaio que acompanhava a Terceira Sonata para piano (1957).

[3] Justamente a crítica que Boulez faz a Cage (BOULEZ apud TERRA, 2000, p.34).